BEDIN V.I.P.
O recomeço do outro lado do mundo
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Homem em frente a local completamente destruído pelo terremoto em Porto Princípe, em 09 de janeiro de 2012 - Tony Belizare/AFP/VEJA
Um país e um povo em constante reconstrução. É essa a realidade da comunidade haitiana desde janeiro de 2010, quando um forte terremoto devastou o país, a vida e a esperança de muitos. Cerca de 240 mil pessoas morreram vítimas da tragédia que abalou as estruturas das cidades, destruindo casas, prédios e lembranças de toda uma vida. Uma tragédia que abalou também a esperança de uma população que já vivia à margem de condições básicas de sobrevivência e que já implorava por uma vida melhor e mais digna.
Antes mesmo de assistir a realidade mais dura de sua história, o Haiti já lutava por melhores momentos. Com uma população de cerca de 10,4 milhões de habitantes, o país caribenho procurou seguir em meio a uma guerra civil provocada por grupos de esquerda. Gradualmente, a violência se espalhava por todo o país, tirando o pouco de paz que ainda havia. Foi então que no ano 2004 uma ajuda foi enviada. Em junho daquele ano foi estabelecida a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti(Minustah), envolvendo exércitos de diversos países, entre eles o Brasil. Mais de seis mil soldados de diversas nacionalidades foram enviados para o outro lado do mundo na missão de paz de reestruturação do Haiti.
Divulgação
Mas a realidade mais dura de suas vidas ainda estava por vir e chegou com o terremoto catastrófico de 7.0 pontos de magnitude, ocorrido quatro anos atrás. Desde então, o Haiti passou a depender de ajuda humanitária de diversos países que contribuíram com fundos, alimentação, expedições de resgate, equipes médicas e engenheiros. Além dos milhares de mortos, o saldo final foi de cerca de 1,5 milhão de desabrigados.
E mesmo hoje, anos após a ocorrência da catástrofe, o país busca emergir em meio aos escombros da desesperança, lutando para reconstruir o que ficou. E foi em busca da reconstrução da esperança e da vida que desde 2010 milhares de haitianos migraram para o Brasil em busca de melhores condições de vida.
A viagem até o Brasil é longa. Dura até dois meses quando feita por países da América Central e América do Sul. Os imigrantes deixam o Haiti em direção à República Dominicana, onde pegam um voo para o Panamá e depois ao Equador. Alguns partem de navio direto para o Panamá e seguem em embarcações até o Equador. O trajeto de lá é igual: pegam um ônibus para atravessar o Peru e finalmente chegar ao Brasil. A parte final da viagem costuma ser feita a pé.
Foto: Gleilson Miranda / Secom / Divulgação
São Miguel do Oeste é uma das muitas cidades brasileiras que está recebendo imigrantes haitianos. Assim como outros milhares de haitianos que estão no Brasil, os grupos que já residem no município chegaram ao país pelo Estado do Acre, que faz fronteira com o Peru, e lá, depois de acertar toda a documentação, foram recrutados para o trabalho em São Miguel. O Jornal O Líder entrou no cotidiano e buscou a história de vida das dezenas de haitianos que aqui trabalham, em busca de uma realidade não tão dura.
ESPERANÇA E RECOMEÇO
Irmãos haitianos buscam reconstruir a vida no Brasil - Ferdinand e Gesner Juluis falam sobre seus sentimentos, sonhos e esperança
Marc- Elie Charles mostra a foto do filho de 5 anos, que ficou no Haiti junto da mãe(Foto/Camila Pompeo - Jornal O Líder)
Os irmãos Ferdinand Juluis e Gesner Juluis dividem a casa com os amigos Marc-Elie Charles e FleronuilHerard. Logo que abrem a porta, sinto um cheiro delicioso de alimento sendo preparado. Me apresento e apresento também a proposta de reportagem, com medo de que os simpáticos amigos hesitassem participar. Me surpreendo. Ferdinand, Gesner,Marc-Eliee Fleronuilabrem um sorriso e me convidam a entrar na residência em que vivem e também em suas vidas.
Na sala da casa, Gesner tentava encurtar as distâncias e a saudade da família por meio da internet. Concentrado, ele conversava com a esposa pelo Facebook, um dos meios mais usados por eles para saber notícias de quem ficou lá, do outro lado do mundo. Assim que entro na Casa Rosa, sou convidada a me sentar e logo todos os amigos formam um círculo e sentam-se também. Sem medo e confiantes, os quatro haitianos falam sobre seus sentimentos, sonhos e esperança.
Gesner tenta encurtar as distâncias e a saudade da família por meio da internet(Foto/Camila Pompeo - Jornal O Líder)
Em São Miguel do Oeste, os quatro amigos trabalham em obras de construção civil. A casa em que moram foi alugada pela empresa nos primeiros três meses em que eles chegaram ao município. Depois disso, o valor do aluguel, de água e de luz ficou sob responsabilidade deles. O que impressiona, no entanto, é que os amigos dividem não só as despesas, mas também o sentimento de saudade de quem ficou do outro lado do mundo. “Tem horas em que penso em voltar para lá. Não posso seguir vivendo assim, longe da minha família”, menciona Gesner, emocionado, ao lembrar da esposa e do filho pequeno, Isaac.
Há quase um ano convivendo com uma cultura completamente diferente, os quatro haitianos não tiveram alternativas senão a de aprender a língua e os costumes brasileiros. Além disso, tiveram que aprender a cozinhar e dividir as tarefas domésticas da casa onde vivem. E é falando sobre o assunto que descubro de onde vinha o cheirinho gostoso de quando cheguei à porta da casa. “Nós todos fazemos a janta. Cada um sabe fazer uma coisa e nos dividimos. Gesner sabe fazer arroz, Fleronuil e eu sabemos um pouco de carne. Agora mesmo estou preparando um pouco de arroz e outras coisas”, comenta Ferdinand.
Durante nosso bate-papo, os quatro mencionam que saíram do Haiti em busca de melhores condições de vida. Aqui em São Miguel do Oeste, eles trabalham para sobreviver e enviam boa parte do que ganham para as esposas e os filhos. Apesar disso, eles revelam que o valor não é suficiente para ajudar a família da forma que gostariam. “O que ganhamos não é suficiente, porque o dinheiro daqui não vale quase nada lá. São quase R$ 3que valemum dólar americano. Quando mandamos dinheiro para eles, vale muito menos”, revela Ferdinand.
E como os valores conquistados por eles já têm destino, é preciso calcular muito para não sair do orçamento. Para conversar com a família, os quatro amigos preferem usar o telefone. É ouvindo a voz da esposa e dos filhos que eles conseguem amenizar um pouco do vazio cotidiano que aflige seus corações. Ferdinand revela então que por conta do alto custo, a cada ligação a conversa é breve e dura em média três minutos. “Conversamos por telefone, mas custa caro. É mais barato quando nossas famílias nos ligam. Não podemos falar todos os dias porque gastamos muito. Os minutos custam bastante. Seria melhor se pudéssemos conversar todos os dias, mas não temos condições. Um minuto custa mais de R$ 4”, revela.
Fleronuil Herard conta então que, para ele, os dias longe da família também têm sido complicados. Ele revela que tem um filho já adulto, com 21 anos, e outra menina com apenas 11. O maior sonho, segundo ele, é trabalhar e guardar dinheiro suficiente para trazer a família para o Brasil. “Quando aconteceu o terremoto, perdemos as nossas casas. Foi tudo ao chão. Perdemos muitos familiares. Vim para cá para melhorar e deixei minha esposa no Haiti para buscar essa vida melhor no Brasil. Gosto um pouco daqui, mas deixar minha mulher lá me deixa triste. Busco uma oportunidade e se Deus quiser vou melhorar a nossa vida”, afirma.
Os dois irmãos, naturais do Haiti, estão no Brasil há menos de um ano. Ferdinand chegou primeiro, há cerca de nove meses. Em conversa com o irmão Gesner, que havia permanecido na República Dominicana, convenceu-o a vir ao Brasil para tentar melhores condições de vida. Esperançoso, há sete meses Gesner vive em solo brasileiro. “Saímos de lá porque não tinha trabalho, não tinha muita coisa depois que aconteceu o terremoto. Meu pai e mãe estavam lá quando aconteceu a tragédia. Então saímos para buscar uma vida melhor, um trabalho para ajudar a família que ficou lá”, menciona.
Mesmo convivendo dia adia com a saudade e com as dificuldades que a vida impõe, Ferdinand se diz conformado. Durante nossa conversa, ele diz que não é possível culpar ninguém pelas dificuldades que encontrou na vida e que, agora, só é preciso trabalhar e acreditar. “Pensamos muito nas dificuldades, mas temos que aceitar. Não são culpa de ninguém os problemas que temos. Nós temos que buscar melhorar na vida, principalmente se tiver uma família. A vida é muito difícil”, diz.
Pergunto então a Ferdinand sobre qual seria uma vida ideal, e ele então projeta: “Uma vida boa pra mim é ter um pouco de dinheiro, ter uma casa, um carro, poder comer bem, viver ao lado da minha família e ajudar o governo do Haiti também. Porque se trabalharmos lá, também vamos ajudar o governo na reconstrução. E se a mulher está trabalhando e o homem também, eles ganham duas vezes. É como um dedo que é diferente de dois dedos, e um olho é diferente de dois olhos”, declara.
Além do sonho de melhorar de vida, os quatro haitianos têm em comum o sonho de conseguir o Visto permanente, para poder visitar a família sempre que possível. Para receber o documento é preciso que os imigrantes aguardem o prazo de dois anos no Brasil. “Temos que esperar o visto brasileiro para poder visitar a nossa família e levar algo para eles. Depois voltamos para trabalhar. Meu sonho é trabalhar e ganhar dinheiro para poder trazer minha esposa e meu filho de cinco anos para cá”, conta Marc- Elie Charles.
Em solo brasileiro, os haitianos que perseguem a esperança precisam ter sabedoria e força de vontade para superar as dificuldades que aparecem em meio ao caminho. Uma delas, senão a pior e mais dolorida, é o preconceito,o qual eles precisam enfrentar todos os dias quando caminham pelas ruas. “Sofremos muito preconceito. Às vezes encontramos algumas pessoas que baixam as cabeças para não nos cumprimentar.O sangue que corre nas nossas veias é igual, só a cor não é igual. Me sinto triste com isso. Tem muitas pessoas boas conosco também, são amigas e não são racistas”, revela Gesner.
ENTRE A RAZÃO E O CORAÇÃO
Casal de haitianos convive com a saudade do filho pequeno que ficou no Haiti - Marcene Darmeus e a esposa, Mercegrace Christophe, buscam melhorar de vida em São Miguel do Oeste e sonham em voltar para perto do filho pequeno, que ficou do outro lado do mundo
MarceneDarmeus e a esposa,Mercegrace Christophe, que vieram juntos para o Brasil, deixando um filho pequeno no Haiti(Foto/Camila Pompeo - Jornal O Líder)
Dispostos a reconstruir o que sobrou de suas vidas depois da destruição causada pelo terremoto de 2010, os imigrantes haitianos que moram e trabalham em São Miguel do Oeste deixaram no país caribenho um pedacinho de si mesmos. É o caso de Marcene Darmeus e da esposa, Mercegrace Christophe, que vieram juntos para o Brasil, deixando um filho pequeno no Haiti.
Na quarta-feira (10) nossa equipe de reportagem visitou a casa onde o casal mora, junto de outros oito imigrantes vindos do mesmo país. A Casa Branca, como é conhecida, é simples e quando chego à residência encontro todos na sala, assistindo a um jogo de futebol na televisão. À primeira vista, todos ficam assustados e não entendem bem o que fui fazer em sua casa. Aos poucos vamos nos entendendo e eles então me convidam para entrar. É quando começam a revelar um pouquinho de si mesmos.
Marcene conta que trabalha em uma construtora, já Mercegrace, apesar de ter procurado, ainda não conseguiu trabalho. Por conta do pouco contato com os brasileiros, a mulher ainda não aprendeu a Língua Portuguesa. “Vim com minha mulher, mas ainda não consegui trabalho para ela. A situação estava muito difícil no Haiti, depois da ocorrência do terremoto, por isso viemos para o Brasil. Nós queremos uma vida melhor. Tenho um filho com a minha esposa e mais quatro filhos que ficaram lá. Nosso filho pequeno ficou com a mãe da minha esposa e nós conversamos com eles pelo telefone sempre que podemos”, conta Marcene.
Todos os colegas trabalham na mesma empresa e têm em comum a saudade dos filhos que ficaram no Haiti. Aqui eles trabalham buscando a conquista do Visto permanente para poder visitar a família assim que possível. “É muito difícil ficar longe de nossas famílias. Queria trazê-los para cá, mas é preciso muito dinheiro para fazer isso. O coração fica dividido, a vida é boa aqui, mas pensamos em quem ficou lá. Às vezes dá vontade de voltar para lá por causa da saudade. Se não pudermos trazê-los para cá, depois de um tempo vamos ter que voltar a morar com nossa família”, comenta ele.
Agneu Charles é outro imigrante vindo do Haiti em busca de melhores condições de vida no Brasil. Há um ano em São Miguel do Oeste, ele conta que já passou por muitos momentos difíceis. Pergunto quais foram os momentos mais complicados até então e ele se emociona ao revelar. “Quando vim ao Brasil, deixei minha esposa grávida no Haiti. Em menos de um mês nossa filha nasceu sem vida e minha mãe e irmão faleceram. Foi difícil para mim por estar longe, mas não havia nada que eu pudesse fazer”, recorda.
A saudade de casa é, sem dúvida, a situação mais dolorosa vivida pelos haitianos que imigraram para o solo brasileiro. Aqui, até mesmo as dificuldades financeiras ficam pequenas perto do sentimento de vazio causado pela ausência de pessoas essenciais. “Cada dia que saio para trabalhar fico triste, muito triste, porque penso muito em minha família. Quase todas as noites minha esposa liga para me dar notícias. Tenho filhos de 12, 9 e 6 anos e está sendo muito difícil ficar longe deles”, conclui Woodney Charleston.
Esperançosos de que o amanhã será melhor, o grupo de haitianos segue acreditando. Os sonhos ficam nas mãos de Deus. E a saudade dentro de corações apertados pela dor da distância.
Uma oportunidade para quem sonha
BEDIN e o grupo de imigrantes haitianos no primeiro registro em São Miguel do Oeste (Foto/Arquivo Pessoal)
O gerente-técnico da Macodesc, Eduardo BEDIN, explica que há alguns meses a empresa vinha estudando a viabilidade da contratação de mão de obra haitiana, o que agora, felizmente, depois de meses de estudos, contatos e reuniões, tornou-se realidade. O projeto foi efetivado em uma parceria com a empresa “Safegold Consultoria Empresarial”, de Joaçaba.
Segundo BEDIN, a empresa de consultoria foi contratada e ficou responsável pelo deslocamento até a cidade de Brasiléia, no Acre, onde estão os imigrantes, para selecionar os novos colaboradores solicitados. “Fizemos três reuniões para repassar o perfil que nós queríamos e qual a finalidade da contratação. Apresentamos a empresa, acertamos os honorários e eles se deslocaram para Brasiléia, onde ficaram três dias fazendo a seleção. Após, já com a carteira de trabalho, CPF e demais documentos em mãos, foi fretado um ônibus para trazê-los até aqui, chegando em São Miguel do Oeste no dia 20”, explica.
Haitianos já uniformizados para trabalhar na empresa de construção civil(Foto/Arquivo Pessoal)
Assim que chegaram ao município, os haitianos contratados pela Macodesc foram acomodados em uma casa alugada, mobiliada e equipada para recebê-los. Cada um recebeu kits e roupas de higiene pessoal e terão o aluguel, demais despesas e alimentação custeada pela empresa neste primeiro mês, inclusive em fins de semana e dias de folga. Após o primeiro mês e já com o primeiro salário em mãos, as despesas, como aluguel e alimentação, ficarão a cargo de cada um, mas eles poderão permanecer na casa.
Segundo BEDIN, estando no Brasil os haitianos deverão cumprir a legislação, tanto trabalhista quanto criminal, estando sujeito às sanções brasileiras. Porém, cabe à empresa informar a Polícia Federal, a cada seis meses, no período de dois anos, de que a pessoa está na cidade, está trabalhando e que não cometeu nenhum delito. “Fechando esse tempo de dois anos, se estiver tudo certo ele pode ser considerado cidadão definitivo”, explica.
Fonte: Jornal O Líder
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