Postagem 163
BEDIN V.I.P
Os
Embaixadores sussurram segredos na tela de
uma pintura
A transição da Idade Média para a
Modernidade é marcada pelo renascer da cultura greco-romana. O período do
Renascimento Cultural teve suas origens em algumas cidades italianas e revelou
Boccaccio, Dante Alighieri e Petrarca. A
luz rompeu as trevas também na Espanha no relato do cavaleiro enfadado sob o
olhar de Miguel de Cervantes; na França com Rabelais e suas lendas populares,
farsas, romances e gigantes em Gargantua e a Inglaterra de Shakespeare
mostrou os mais íntimos sentimentos humanos. Não poderíamos deixar de lado
Camões e as grandes aventuras marítimas.
É nesse contexto que se destaca Hans Holbein,
o Jovem. Nascido em Augsburgo, viveu um período de contestações. A Igreja
Católica lutava contra os hereges e o Sacro Império Romano Germânico não
estaria imune. Ali a Igreja encontraria um devoto, membro da própria
instituição que romperia com dogmas considerados inquestionáveis. Lutero
enfrentaria o mais alto escalão do clero para insurgir a Reforma.
Holbein deixa a cidade das 95 Teses
e instala-se na Suíça, palco para mais um golpe nas tradições medievais.
Calvino lançaria um punhal no coração da instituição mais poderosa do
período.
Em viagem para a Itália, o berço do
Renascimento, Holbein encontra-se com o gênio. Imaginem quão rico cenário se
configura. A oficina, com quatro ou
cinco artesãos, pintores, escultores, todos ávidos para se embebedar das
técnicas e percepções de Leonardo da Vinci. Aprendizes vorazes, buscavam as
melhores pinceladas, o tom mais vívido, o contraste determinante e o brilho
sutil de uma mecha de cabelo soprada pelo vento ou de uma nesga de tecido a
cair pelo colo de uma donzela; a pedra perfeita para ser esculpida em músculos de um Davi ou o profundo pesar de uma Pietà.
Holbein aprendera com os melhores, o
código fora revelado. Tornou-se um retratista e assim como os grandes, também
receberia encomendas de mecenas a fim de investir quantias significativas para
se exibirem na vitrine.
A corte inglesa soube reconhecer seus
dons e o mestre foi convidado a mostrar a face de Henrique VIII, sem
comprometer a reputação do rei casamenteiro. A sorte não foi gentil com o amigo
Thomas More que se tornou prisioneiro na Torre de Londres e depois foi
decapitado.
Dez anos antes de sua morte, Holbein pinta Os
Embaixadores. Seria mais uma obra renascentista, um retrato da corte, com
pormenores da mais alta hierarquia a não ser pelo enigma pictórico que a tela
traz.
Nesse mundo nebuloso, entre a cruz e a
espada, a fé e a razão, o geocentrismo e o heliocentrismo, o latim e o dialeto
popular, o sagrado e o profano, surge o “segundo olho”, aquele que vê a corte na tela mas que enxerga de forma critica a
caveira, a desmantelar as certezas de um sistema consolidado.
Num jogo de enigmas o código outrora
decifrado, volta a polemizar. A Utopia e a Loucura estão ali presentes, assim
como as rupturas que causaram profundas veias
na terra e que dificilmente seriam unidas novamente e, de fato, a igreja
Católica não seria a mesma após a Reforma Protestante.
Muito tempo se passou e o quadro ainda
esta ali, a sussurrar seus segredos. A Modernidade foi rompida pela revolução vermelha,
branca e azul e as incertezas levaram Estados burgueses às Grandes Guerras.
A contemporaneidade foi tomada por cibers. Não há mais espaços definidos, bem
como culturas e poderes. Vivemos na aldeia global, na era da pós modernidade e
ainda assim , a caveira que se apresentou a Holbein ainda nos assombra.
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