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BEDIN V.I.P.
SILVIO ANTÔNIO BEDIN
Silvio Antônio BEDIN
Silvio Antônio Bedin e o livro Escola: da magia da criação às éticas que sustentam a escola pública, por Cida Simka e Sérgio Simka
Ademir Pascale11:26
Silvio Antônio BEDIN - Foto divulgação
Fale-nos sobre você.
Meu nome é Silvio Antônio BEDIN sou educador de profissão. Natural de Guaporé (RS). Em minha formação superior transitei pela área das Ciências Humanas. Iniciei na filosofia, na Universidade Católica do Paraná, mas não cheguei a concluir, continuando com estudos da teologia, em Goiás, realizados no método da pedagogia da alternância. Por muitos anos, dediquei-me ao trabalho de educação popular em Goiás, e também no magistério em Escola Pública. Foi um tempo singular, precioso e profundamente marcante. Graduei-me no Curso de História na Universidade Católica de Goiás, em 1986; cursei o Mestrado em Educação, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, concluído em 1999, com uma dissertação escrita a partir de minha experiência de gestão da educação. A dissertação aborda a potência da “vontade política e educação”, apresentando um inventário das políticas educacionais desenvolvidas num contexto controverso e de intensas disputas políticas. A defesa da dissertação abriu-se as portas para o doutorado em Educação, na área das políticas e gestão de processos educacionais, que realizei também na UFRGS, entre os anos 2000 e 2004. Em minha pesquisa, que foi realizada na Escola pública onde atuava, procurei perceber entre as ambiguidades dos movimentos que permeiam os espaços de convivência e as singularidades que configuram a escola, o que lhe confere o poder da permanência e da recriação constante. O título conferido à tese foi “Escola: da magia da criação – as éticas que sustentam a escola pública”. Como professor, exerci o magistério em diversos níveis e redes de ensino, além da gestão educacional. No ensino superior, fui docente da Faculdade de Educação da Universidade de Passo Fundo (UPF), na área de Fundamentos da Educação. De forma intensa atuei na extensão universitária: coordenei o Centro Regional de Educação, o Observatório da Juventude, Educação e Sociedade (Cátedra da Unesco/UPF) e o Plano Nacional de Formação de Professores (PARFOR). Integro o Núcleo de Estudos “Educação e Gestão do Cuidado” da UFRGS e atualmente atuo na coordenação da Pastoral da Educação da Arquidiocese de Passo Fundo, em torno do Pacto Educativo Global proposto pelo papa Francisco.
ENTREVISTA:
O que é cultura de paz?
Fala-se em cultura de paz para designar os valores que se produzem nas relações da convivência social, que constroem ambiências saudáveis, onde os conflitos são resolvidos dialogicamente, contribuindo para a prevenção das violências e para um conviver construtivo. Isso pressupõe assumir uma perspectiva de olhar para os sujeitos que configuram as instituições, com suas singularidades e qualidades pessoais, valorando-os. São os sujeitos que conferem as qualidades que adornam as instituições, cada uma delas com sua luz própria. Olhados na sua complexidade e ambiguidades, pode-se perceber que em cada sujeito habita o melhor e o pior de cada ser humano, cabendo à educação, vista numa perspectiva integral e multidimensional, abarcar e desenvolver todas as suas dimensões, contribuindo para sua humanização. Desta forma, a educação contribui eficazmente para construir culturas de paz e do bem viver societal. Cultura de paz é o que permite a vida florescer e se expandir, apesar de todas as adversidades, limites e forças que concorrem para a sua corrosão.
Você é o fundador da ECOPAZ, uma ONG voltada à cultura de paz. Fale-nos sobre essa iniciativa.
A ECOPAZ nasceu no esteio e como fruto de um intenso e articulado trabalho de educação para a paz que foi desenvolvido, a partir do ano 2000, numa Escola Pública no interior da Rio Grande do Sul. Foi constituída pelo desejo de um grupo de educadores, estudantes e outros profissionais envolvidos naquele processo, com o intuito de preservar a preciosa memória do que fora construído coletivamente e oferecer a outros educandários e instituições a rica e exitosa experiência de uma escola que se pensa a si mesma, que olha de frente as demandas internas, e que busca criar e gestar alternativas de superação dos seus desafios do cotidiano, especialmente, na resolução de conflitos e prevenção das violências. Desde sua criação como ONG, em 2007, a ECOPAZ vem procurando ser fiel à sua missão, tendo construído e desenvolvido projetos em variados ambientes, com outras instituições que se dedicam ou que apoiam a missão educativa. Seu principal movimento de inspiração e instrumento metodológico é o PAV (Projeto Alternativas à Violência). O PAV ancora-se na filosofia do poder transformador, que cada pessoa carrega e que pode usar para transformar-se e transformar as circunstâncias de sua vida. Apresenta uma metodologia que promove em cada sujeito uma viagem interior da autodescoberta, de reconhecimento e de valorização das qualidades, promovendo a autoestima, o autorrespeito, o autocuidado, bem como contribuindo para a descoberta do outro, como parte fundamental na convivência, promovendo com ele vínculos de pertencimento a uma comunidade de vida. Abre também perspectivas para uma compreensão de pertencimento à teia mais ampla da vida e com ela assumir uma ética do cuidado. O trabalho do PAV e da ECOPAZ pode ser acompanhado em https://www.facebook.com/groups/115701948548273 e https://avp.international/
Você é autor do livro “Escola: da magia da criação às éticas que sustentam a escola pública”, fruto de seu doutorado, defendido em 2004, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Fale-nos sobre esse trabalho.
Trata-se, sim, da publicação da minha tese de doutorado que foi apresentada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e que, a meu juízo, ainda permanece atual, porque aborda fenômenos que são contínuos nas Escolas. A tese resulta de um estudo de caso que procura mostrar como a Escola Pública consegue recriar-se e permanecer apesar das contradições e problemas que a consomem indefinidamente. Utilizei-me do método etnográfico de pesquisa, baseado em observação participante, diário de campo e entrevistas, para investigar os movimentos de ordem, desordem, organização e mudança na escola, procurando investigar junto a professores, estudantes, pais e funcionários, as razões e motivações de suas presenças nela, bem como as qualidades, sabores e dissabores produzidos na convivência. Com um enfoque socioantropológico, busquei também perceber nas ações de conduta, comportamentos, posturas e atitudes dos sujeitos, o fluir das emoções, as ambiguidades de sua manifestação, geradoras das éticas que perpassam as relações e dos vitalismos que dão jovialidade à Escola. Pude conferir que, como organismo vivo, a Escola se configura em teias de relações onde magia, criação e sentidos encontram espaço de manifestação nos prazeres que a convivência produz; que na estética do estar juntos reside a fonte que alimenta sua auto-organização e recriação constantes, produzindo os liames da sua sustentação e permanência, apesar do turbilhão que a consome.
Como analisa a questão da intolerância hoje no país?
Trata-se de um fenômeno que revela e configura uma profunda crise, que afronta o mais fundamental do que constitui o ser humano: o sentido e a necessidade do outro como condição para a nossa própria humanidade. Ninguém se constrói humano sem a presença de outro humano, em quem possa se espelhar e com quem aprende a dialogar e a operar. E, como diz Maturana, este outro precisa ser concebido e aceito na sua forma de ser, como legítimo outro na convivência humana. Ora, o que está acontecendo é a negação deste princípio fundante. A intolerância opera no campo da negação, que não reconhece, nem respeita, não dialoga, não aceita, que combate o outro e tenta aniquilá-lo. E isso acontece por muitos meios, a partir de várias motivações e concepções herméticas e absolutas, e se encontra na base do que gera as agressões, promove o medo, as violências e guerras. A tolerância é um aprendizado que pode ser construído na dialogicidade da convivência, seja em que espaço social ela se dê. Assim como o respeito e o amor, que traduzem o espírito de aceitação do outro na construção de espaços de convivência saudável e prazerosa.
Como o professor pode desenvolver a cultura de paz nas escolas?
Primeiramente, o professor assumindo-se como um modo-de-ser-presença que educa não tanto com o que diz, mas com o que faz e como faz. Ele educa por suas posturas e atitudes, pela forma como realiza sua experiência singular, como olha, acolhe e valoriza cada sujeito envolvido nos processos que lhe cabe conduzir. Aqui, ganha importância a tarefa da gestão dos processos educativos. Esta tarefa compete ao professor, individual e coletivamente, buscando delinear os propósitos do seu trabalho, organizar e traduzir em práticas, por exemplo, os valores que deseja produzir numa sala de aula, numa escola. Isto precisa ser construído, sob risco de se reproduzir o que está dado cultural e socialmente, o que muitas vezes traduz as raízes das violências. Por outro lado, sempre é bom lembrar: valores são aprendidos na convivência social, na forma como se organiza e se produz a convivência. Uma criança aprenderá a respeitar, se ela mesma aprender a se respeitar e for respeitada. Aprenderá a tolerar, sendo educada para aceitar o outro na sua legitimidade de ser, sendo orientada a dialogar e a participar de experiências conjuntas geradoras de aprendizado. E isso poderá ser feito pelo professor, de forma criativa, dinâmica e constante, contribuindo para que cada criança faça o aprendizado do conviver de forma saudável. Outrossim, cabe lembrar que estas ações precisam vir fundamentadas por processos formativos permanentes, que contribuam para pensar o desenvolvimento integral e multidimensional do ser humano, bem como para planejar as práticas docentes, incluindo nelas temáticas e vivências que promovam a construção dos valores que sustentam culturas de paz.
O autoconhecimento pode ser a palavra-chave para o caminho rumo à cultura de paz?
Creio que o autoconhecimento é o ponto de partida e condição para atingir um grau de desenvolvimento humano e social fundado nos valores da cultura de paz. E esta é uma primeira e imprescindível tarefa que cabe à educação promover. Somente se consigo fazer o caminho interior da autodescoberta, conhecendo o tecido complexo de que sou feito, estarei apto para abrir-me à descoberta do outro, acolhendo-o como parceiro de caminho, com ele construindo relações de respeito, solidariedade, cooperação, cuidado, aprendendo a conviver juntos, iguais e diferentes, numa cultura de paz. Tudo o mais nasce deste processo formativo.
CIDA SIMKA
É licenciada em Letras pelas Faculdades Integradas de Ribeirão Pires (FIRP). Autora, dentre outros, dos livros O enigma da velha casa (Editora Uirapuru, 2016), Prática de escrita: atividades para pensar e escrever (Wak Editora, 2019), O enigma da biblioteca (Editora Verlidelas, 2020), Horror na biblioteca (Editora Verlidelas, 2021), O quarto número 2 (Editora Uirapuru, 2021) e Exercícios de bondade (Editora Ciência Moderna, 2023). Colunista da revista Conexão Literatura.
SÉRGIO SIMKA
É professor universitário desde 1999. Autor de mais de seis dezenas de livros publicados nas áreas de gramática, literatura, produção textual, literatura infantil e infantojuvenil. Idealizou, com Cida Simka, a série Mistério, publicada pela editora Uirapuru. Colunista da revista Conexão Literatura. Seu mais recente trabalho acadêmico se intitula Pedagogia do encantamento: por um ensino eficaz de escrita (Editora Mercado de Letras, 2020) e seu mais novo livro se denomina Exercícios de bondade (Editora Ciência Moderna, 2023).
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