9 de junho de 2017

Postagem 1.860
BEDIN V.I.P.

CRISTIANO BEDIN DA COSTA



DOIS CANTOS:

 MATÉRIAS DE ESCRITA Cristiano Bedin da Costa 1 cristianobedindacosta@hotmail.com 

Matéria de escrita não é outra coisa que não esses pedações dispersos que a gente arranca dos pincéis e pinceladas e das entrevistas e dos romances e contos e novelas e também dos poemas ou então notas e acordes e acordos tácitos com canções e descanções de discos e filmes e saudades pequenas e grandes glórias na dança dos dias comuns em que o céu desaba e estrelas de lata ainda ferem nossas mãos e olhos que correm de lábio a lábio pelas páginas mais bonitas e sem cabimento algum por onde você lhe arrasta e desmancha e alonga e dá forma e significa uma vez mais até que se canse de desperdiçar os melhores sorrisos e os melhores pensamentos e os melhores suspiros e então se aborreça das mesmas memórias e de muitas outras coisas com as quais até já havia saído junto algumas vezes mas que nunca havia encontrado e enfim se perca onde você já não reconhece mais nenhum vestígio de tantos pedaços dispersos que você arranca dos pincéis e pinceladas e das entrevistas e dos romances e contos e novelas e também dos poemetos quilométricos ou então notas e acordes e desacordos tácitos com canções e descanções de tantos discos e filmes e saudades minúsculas e mil glórias de excertos comuns de tudo até então tão ordinário e cinza dum tempo ido em que ter o que dizer ainda servia para alguma outra coisa que agora se quer matéria de escrita. & Matéria de escrita se encontra em certas coisas e nas coisas todas: é porque a coisa, tal como se apresenta na escrita, carrega consigo ao menos uma parte do vazio do qual ela é arrancada quando é nomeada coisa que é. Assim, quando a escrita aponta para um algo qualquer e com ele ensaia o movimento, ela precisa acertar contas também com uma presença inominável que insiste por entre as suas linhas. Dito de outro modo: a palavra, ao ser grafada no texto, deixa espaço para que uma potencialidade ágrafa consiga ressoar. Diz-se então que a escrita se faz em meio a sua ruína, ou então que é no silêncio do texto que encontramos o seu movimento, e todo silêncio e toda solidão se encontram pelos cantos, por entre abismos suspensos, todos eles suspensos, a frase, o texto, a língua, Revista do Difere - ISSN 2179 6505, v. 2, n. 3, ago/2012 2 o leitor e a leitura, o sentido um resto não preposto ao de e nem a tudo mais, um resto só. A linha, insultada e condenada ao indelével, percebendo que se não encontra obstáculo é porque nem mesmo deixa o seu ponto de partida, mas mesmo assim avança no vazio ou não, mesmo que sem deixar marca alguma, abandona o ponto ou torna-se ela própria o abandono, e o que incansavelmente não faz está feito e o que não escreve está escrito. * As palavras compõem o texto, os silêncios os cantos da escrita. 1 Psicólogo, doutorando em educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), docente do curso de pedagogia do Centro Universitário UNIVATES.

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