6 de maio de 2015

Postagem 673
BEDIN V.I.P.

ARGINO BEDIN


A safra em jogo


- Alô, seu Nelson Piccoli?
- Sim?
- O senhor está em Sorriso?
- Estou a caminho de uma reunião na fazenda do Argino Bedin, aqui pertinho.
- Qual é o assunto da reunião?
- É sobre jogo de canastra.


A princípio, este repórter pensou não ter entendido direito, mas, ao chegar ao refeitório da fazenda, a dúvida se desfez: ao redor de duas mesas compridas, uns vinte produtores rurais carteavam animados, enquanto o carvão na churrasqueira começava a crepitar. Era quinta-feira, 8h30 da manhã de um dia nublado em meados do mês passado, e ninguém parecia preocupado com a colheita de soja que já se iniciara em suas fazendas. No entanto, ali estavam os responsáveis por mais de 50% da produção dos 200 mil hectares plantados no município. "Os agricultores de Sorriso trabalham muito, mas também sabem viver", disse um sorridente Nelson Piccoli ao receber a reportagem. Nós, que imaginávamos expressões preocupadas nos rostos dos presentes, ficamos surpresos com a descontração do ambiente: o clima havia mudado na primeira quinzena de 2009.
A seca que se abateu sobre vastas regiões produtoras do sul do continente acabou por aquecer o mercado de grãos no Mato Grosso, reacendendo a expectativa de uma safra de soja remuneradora para o produtor. A combinação de dólar valorizado com quebra de produção no Paraná, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e em países como Paraguai e Argentina fez com que as tradings, até então retraídas, entrassem comprando e a saca de soja avançasse dos 33 reais, em outubro passado, para cerca de 40 reais no dia 20 de janeiro no médio-norte do estado, para entrega em fevereiro. A safrinha de milho, da qual boa parte dos produtores não queria nem ouvir falar depois de amargarem uma comercialização abaixo do custo de produção na safra 2007/2008, voltou a ser considerada: o puxão nos preços do produto, devido a fatores climáticos, aumento das exportações e baixos estoques, animou quem está capitalizado e pode aproveitar a queda de até 50% no preço do adubo nos últimos meses - cerca de 600 mil toneladas "sobraram" no final do ano, resultado da menor demanda, e estão sendo vendidas agora. Diante disso, a redução de 30% na área de milho safrinha em Mato Grosso em 2009, calculada pelo Imea - Instituto Mato-grossense de Economia Agrícola em novembro, não deve se concretizar. Para Marcelo Monteiro, diretor executivo da Aprosoja - Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso, haverá redução, mas não tão significativa. E ocorrerá mais em função do atraso no plantio da soja por causa da estiagem, o que reduziu a janela de plantio da safrinha. "Com a quebra da safra de trigo na Argentina e de milho no Sul, a safrinha em Mato Grosso não será tão catastrófica. Os preços estão se recuperando, mas cautela ainda é o nome do jogo." Monteiro alerta que fertilizante e commodity têm uma relação muito estreita e, assim como o preço da soja reagiu, o preço do adubo deve subir assim que acabar o estoque da safra passada.

Rodrigo Pozzobom aposta no futuro, apesar dos riscos. Comprou um pulverizador que 'só falta falar'

Argino BEDIN o anfitrião do torneio de canastra, plantou este ano 10 mil hectares de soja e quer repetir os 3 mil hectares de milho safrinha do ano passado. No seu caso, e de outros produtores consultados pela reportagem no trecho entre Nova Mutum e Sorriso, ao longo da BR-163, não haverá redução de área. "Trabalhamos com o pé no chão. Nesses momentos difíceis da economia a gente pode até encolher, ficar quietinho, mas perder a gente nunca perde." Ele e mais 24 famílias de Sorriso (entre 70 e 80 produtores fazem parte da Coacen - Cooperativa Agroindustrial Celeiro do Norte) - plantam 110 mil hectares de soja e 45 mil de milho safrinha. "Como somos muito organizados, conseguimos comprar insumos abaixo do mercado e vender bem a colheita. Esse é o segredo." Segredo compartilhado pelo engenheiro agrônomo Rodrigo Pozzobon, 23 anos, representante da nova geração de produtores de Sorriso - aquela que segundo Piccoli "está na lavoura, cuidando de tudo, enquanto os pais jogam baralho". Rodrigo diz que passou por alguns apertos em 2007, mas conseguiu plantar a mesma área de soja - 2.825 hectares - e vai manter a área de milho safrinha em 600 hectares, "sem reduzir tecnologia". Pelo contrário: comprou um pulverizador guiado por satélite que "só falta falar" e está se estruturando para fazer novos investimentos, entre os quais adquirir terras para ampliar a área plantada. Os números que exibe mostram que fala sério: conseguiu produtividade de 57,3 sacas de soja por hectare na safra passada e, como combinou com o pai, Elso Pozzobon, que a cada ano aumentariam uma saca por hectare, espera colher no mínimo 58 sacas na safra que se inicia. "Só não pode começar a chover muito agora, que estamos começando a colher, que senão desanda."

 
Argino BEDIN 'Nesses momentos difíceis a gente pode encolher, ficar quietinho, mas perder a gente nunca perde'


Marcelo Monteiro, da Aprosoja, diz que o clima ajudou muito no desenvolvimento da lavoura, mesmo que no início do plantio a chuva tenha demorado a cair em algumas regiões. Elas foram regulares, sem excesso, e isso contribuiu muito para a pequena incidência da ferrugem asiática, doença cuja proliferação é facilitada pela umidade alta e que nas safras passadas causou prejuízos significativos, levando muitos produtores a realizar até cinco aplicações de fungicidas - acima disso, o custo do veneno ficava inviável. Vários fatores ajudaram a manter a ferrugem sob controle nesta safra, com apenas sete focos no estado até o dia 20 de janeiro: o vazio sanitário obrigatório de julho a setembro, pelo menos duas pulverizações preventivas de fungicidas e um cuidado maior dos produtores na observação e diagnóstico da doença, facilitado pela rede de minilaboratórios da Aprosoja espalhada pelo estado. "Este ano a produtividade média deve ficar em 50 sacas por hectare em função da redução de adubo em algumas áreas, mas mesmo assim é uma bela média. Do ponto de vista agronômico, a safra está muito bem, mas do lado financeiro o produtor só vai ser capaz de pagar as contas do ano. As dívidas antigas terão de esperar", diz Monteiro.
Nelson Piccoli diz que em Sorriso os produtores ligados à Coacen mantiveram a tecnologia na lavoura, uma vez que as parcelas dos financiamentos que venciam em 2008 foram prorrogadas e sobrou dinheiro para os tratos culturais adequados. No entanto, ele não está satisfeito com o que chama de "empurrar a dívida com a barriga". "Se houver um desequilíbrio climático ou de preço logo aí na frente pode quebrar tudo, e aí sim não vamos conseguir pagar nunca essa dívida."

 
Nelson Piccoli, depois da canastra: insatisfação por ter de empurrar a dívida
Para o economista Guilherme Dias, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, que trabalha numa proposta de política agrícola com a CNA - Confederação Nacional da Agricultura, do jeito que está a dívida é impagável. Dias esteve reunido em Cuiabá com a diretoria da Aprosoja e da Ampa - Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão, para discutir o eixo da proposta, que prevê maior transparência fiscal do setor rural em troca de alíquotas menores - uma espécie de Simples Rural - com a transição dos produtores de pessoa física para pessoa jurídica. Essa medida, segundo ele, criaria um "ambiente de confiança" entre governo, agentes financeiros e produtores para encontrarem uma equação viável para o endividamento. "Essa é uma medida de curto prazo, que deve ser implementada logo, para então começarmos a discutir uma nova estrutura de financiamento agrícola, que vá muito mais na linha de seguro de renda, de forma que o produtor tenha segurança de honrar seus compromissos, do que crédito ou garantia de preço mínimo", disse o professor da USP. Essa transição se daria no decorrer das safras 2009/2010 e 2010/2011. Nesse período, Dias defende um subsídio ao frete para aquelas regiões mais distantes dos portos, penalizadas por deficiências da infraestrutura do país. A subvenção valeria para qualquer produto, seja ele grão, madeira, industrializado etc. "Se, nesse intervalo, o governo investir em infraestrutura de escoamento, de modo a reduzir o custo do frete, acaba a necessidade de subsídio", argumenta. Esses mecanismos, ainda apenas esboçados, animaram as lideranças rurais, que se dizem cansadas de bater às portas do governo e não obter uma solução definitiva para o endividamento, que beira os 70 bilhões de reais em todo o país. "No meio da bagunça que estamos vivendo não tem como resolver o endividamento", diz Guilherme Dias. "A formalização do setor agrícola é necessária para podermos caminhar na execução dessa proposta."
O ambiente externo, com a crise de confiança que se abateu sobre o sistema financeiro internacional, é visto por Guilherme Dias como "um monstro" que assusta por não se saber ainda a extensão do problema. "Não tem como sustentar o sistema financeiro como está. Terá de haver um acordo político cooperativo, entre as nações, para que o mundo volte a crescer." Dias considera que o Brasil tem boas possibilidades de ocupar espaços no mercado internacional de leite e carnes, principalmente, uma vez que os sistemas produtivos dessas mercadorias nas principais economias estão "se esfarelando". Para ele, quanto mais cair a taxa de juros no Brasil - o Banco Central reduziu a alíquota em 1 ponto porcentual no dia 21 de janeiro, para 12,75% -, mais o dólar se sustentará num patamar entre 2,20 e 2,65 reais, garantindo competitividade à produção brasileira de grãos.

 
Colheita a todo vapor: produtores mantiveram tecnologia na lavoura porque conseguiram prorrogar o pagamento da dívida
Para Marcelo Monteiro, da Aprosoja, a crise serviu para afastar os especuladores do mercado de commodities agrícolas, voltando a prevalecer os fundamentos do mercado. Nesse sentido, avalia que o consumo de soja continuará aumentando, a despeito da retração da economia mundial. "A volatilidade continuará, mas quem agir com cautela, fazendo uma operação bem casada de compra e venda, vai sobreviver. E nem pensar em expandir área, porque custa caro e qualquer pressão de oferta na próxima safra será um tiro no pé. Os chineses aproveitam e jogam o preço no chão."
Todas essas questões, em maior ou menor grau, circularam pelas mesas de carteado daquela quinta-feira de céu nublado em Sorriso. Para Argino BEDIN, essa é a maior vantagem de pertencer a uma cooperativa de "gente idônea, responsável": enquanto se divertem, os membros trocam informações sobre o que ocorre dentro e fora da porteira, cada qual abrindo o jogo sobre as operações agrícolas, bancárias e comerciais que realiza. Uma atitude que vai ao encontro do que propôs o professor Guilherme Dias: "Todos têm de tirar seus esqueletos do armário e mostrar: bancos, produtores, tradings. Só com a criação de um ambiente de confiança mútua será possível encontrar um novo rumo para a agricultura brasileira, mais consistente e sustentável".

Pesquisa:Internet

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