10 de fevereiro de 2019


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BEDIN V.I.P.

ADRIANO BEDIN 


Adriano BEDIN 


Cambaleante, “O Jardim das Cerejeiras” esbanja vigor do Tapa, mas não cativa

Publicado por: Bruno CavalcantiData: 9 fevereiro 2019 9:00Em: Conexão Sampa por Bruno Cavalcanti
Bruno Cavalcantipor Bruno Cavalcanti

Considerada uma das melhores e mais importantes obras do dramaturgo russo Anton Tchékhov, O Jardim das Cerejeiras entrou para a eternidade como uma peça complexa, que abusa do duro realismo burocrático – representado pelas transformações e quebras de paradigmas sociais – e irmana farsa e tragédia, em um texto de diálogos simples, fugindo à impostação da dramaturgia produzida até o início do século XX na Europa.

A grandiosidade da obra rendeu ao texto status de atemporalidade, que culminou em pelo menos nove notáveis montagens no teatro brasileiro. A primeira, em 1968, sob a direção de Ivan de Albuquerque (que rendeu ao diretor um Prêmio Molière), depois em 1982, sob a batuta de Jorge Takla, numa produção estrelada por Cleyde Yáconis.
Nos anos seguintes, estrearam ainda duas montagens simultâneas em 1990 (em Brasília e Recife); uma em 2001 dirigida por Élcio Nogueira Seixas e com um elenco encabeçado por Tônia Carrero e Renato Borghi; uma em 2008, sob direção de Moacir Chaves estrelada por Deborah Evelyn; e a última, em 2014, sob a produção da paulistana Cia. Elevador de Teatro Panorâmico.

A nona é a que está em cartaz no Teatro Aliança Francesa, zona central de São Paulo, até o dia 24 de fevereiro. Escolhido para comemorar os 40 anos de atividade da companhia carioca radicada em São Paulo desde a década de 1980, O Jardim das Cerejeiras traz nesta nova montagem um olhar minimalista do diretor Eduardo Tolentino de Araújo, que busca dissociar a obra de montagens opulentas, e busca no cerne do texto o sentido para a nova produção.

Estrelada por Clara Carvalho na pele da aristocrata falida Liuba, a peça retrata as transformações culturais da virada do século através de uma família burguesa prestes a perder o jardim de cerejeiras que faz parte da história do clã familiar. Tchékhov representa não apenas a aristocracia que vê seu reinado ruir, mas também a ascensão da classe trabalhadora, representada pelo negociante Lopakhin, que compra as terras em que seus familiares viveram como servos.

Se em 2008, a montagem dirigida por Moacir Chaves dialogava com a chamada ascensão econômica da classe C, e em 1982 Jorge Takla propusesse um leve flerte com a possível redemocratização, a produção dirigida por Tolentino de Araújo encontra na atemporalidade do texto sua mola propulsora.

Acreditando que as transformações sejam parte da vida social, a montagem do Tapa surge vigorosa. Se a cenografia pensada pelo diretor deixa a desejar, ainda que se valha de bons truques cênicos – tornando impossível não se lembrar do belíssimo cenário gestado há cinco anos na montagem da Cia. Elevador –, o que realmente faz da montagem d’O Tapa para O Jardim das Cerejeiras um espetáculo que foge ao simples estudo teatral, é o ótimo time de atores selecionado pelo diretor.

Homogêneo, o elenco enfrenta com ferocidade o texto, impedindo que o espetáculo caia na placidez. Na pele do bon vivant Gaev, Brian Penido Ross entrega um trabalho de vigor, dando luz própria ao ótimo personagem que se divide entre bons momentos cômicos e um drama concentrado exatamente como pede a obra. Não é difícil apelar para o drama desmedido nesta história de derrocada aristocrática, e Ross se sai tão bem quanto Clara Carvalho.

Considerada como um dos nomes mais importantes do Tapa e do teatro paulistano, a atriz retorna às personagens pelas quais se consagrou em São Paulo (mulheres finas e elegantes da burguesa aristocracia) após ótima investida na emergente Sra. Warren (A Profissão da Senhora Warren, de Bernard Shaw), e um passo em falso em uma controvertida comédia irregular (Meu Filho vai Casar).

A Luba pensada pela atriz trabalha no tempo da delicadeza através do olhar. Mastropasqua na pele do emergente Lopakhin entrega também ótimos momentos, mas pouco faz para diferenciar seu dúbio negociante do marcante Crofts, o cafajeste da supracitada A Profissão da Senhora Warren.

Gabriela Westphal esbanja naturalidade como a sonhadora Ânia, enquanto Alan Foster surge correto como o estudante dado a filósofo Trofímov. Como a criada Duniacha, Natália Beukers também se sai bem, principalmente quando divide as cenas com um inspirado Paulo Marcos – como o administrador Epikhodov – e com um bom Adriano BEDIN, como o criado cafajeste que sonha em retornar para a Europa.

Se Mariana Muniz faz pouco pela farsesca governanta Carlota, Ana Cecília Junqueira encontra na rígida Vária seu melhor desempenho em cena até então. Sem precisar fazer muito, Riba Carlovich é o já usual pêndulo cômico da obra, e encontra bom paralelo com o excelente Guilherme Santana na pele do criado Firs que, já em vias de demência, encontra no passado um refúgio para as transformações do presente.

Se a produção peca pela concepção cenográfica demasiadamente econômica, o desenho de luz pensado por Nelson Ferreira consegue efeitos bonitos que, embora nunca deixe transparecer o gélido teor da obra, também não deixa transparecer elementos que a descaracterize.

Outro ponto (realmente) alto é o ótimo figurino concebido por Rosângela Ribeiro, que mescla o clássico e o moderno, em referência tanto ao início do século XX onde a peça foi gestada, quanto aos primórdios do grupo Tapa que, comemorando 40 anos, encontrou na obra de Tchékhov a chance de mostrar o vigor que ainda carrega, mesmo que não encontre os elementos que poderiam fazer desta montagem a peça marcante para uma efeméride tão especial.
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