29 de junho de 2014

Postagem 159
BEDIN V.I.P.

NEY ANDERSON BEDIN

CONTO

"Domingo de “Parmera”

O que me lembro do tio Mingo é que ele tinha um bigodão e era a cara do filho dele (não que o filho dele tinha bigode, mas é que parecia um moleque). Morava em São Paulo, no Parque Novo Mundo. Não tinha nada de novo. Só de mundo. Quando a gente se lembra de alguma coisa, já percebi, pelo menos no meu caso, existe uma cor predominante. Neste caso era cinza. Não sei se é pelo fato de desde pequeno viajar à casa dele. Era uma parte do bairro que me dava uma sensação de “eterna construção”. Tudo muito apertado. Não havia quintais, nem mesmo nas casas maiores, em volta. Entrávamos por uma escada que dava numa espécie de varanda, em frente à sala.

Como todo o bairro, a casa do meu tio também estava para terminar. Sempre tinha uma parede rebocada ou um monte de cimento no chão para fazer alguma coisa. Acabavam não fazendo nada e o cimento era coberto por um plástico de saco da adubo “IAP”, “o adubo do pai”; lembro da propaganda na TV.
Tinha um cachorro que se chamava “Barbosa”. Vê se isto é nome de gente! Também, tinha uma tartaruga que se chamava Matilde. Um dia, um favelado levou a Matilde.

Domingos Galhardi. Italiano. Engraçado é que só fiquei sabendo que o nome do meu primo era Armando Galhardi quando ele já tinha uns onze anos. Só o chamávamos pelo apelido: Tuco. Por quê Tuco? Era Tuco e pronto! Ir para casa do meu primo tinha sabor de aventura. Por dois motivos:– primeiro – meu primo sempre me levava para conhecer os amigos dele. Estes eram de arrepiar. Uma vez ele me levou para uma favela atrás de um campo de futebol e entrando, entrando, entrando, passa riacho, passa córrego, ponte de tábua improvisada, até que chegamos num barraco de madeirite. O “nome” dele era“Tiziu”. O garoto tinha tudo o quanto era fita de Atari. Atari era a sensação da época. O mais prestigiado símbolo de status da garotada dos anos 80. Não precisava olhar muito para perceber que aquela imensidão de cartuchos não era só o passatempo do moleque. Devia ter umas dez fitas do “Pac Man”, outras dez do “River Raid” e mais dez do “Pitfall”‘. Eu falei só das repetidas. Aquele barraco era uma empresa! Olha, ele emprestou até um videogame!

O outro motivo era que meu primo sempre foi maior que eu. Eu atazanava a vida dele e ele, mais que naturalmente, me espancava. Afinal, éramos primos. Família é ótimo! Hoje posso ver que a saída mais lúcida era contar para o tio Mingo. Mas, na época, parece que havia um código de honra. É sério! Tanto, que os outros moleques da rua do Tuco não podiam relar a mão em mim. Eu era o saco de pancadas oficial do meu primo. Oficial e exclusivo. Será que dá para se orgulhar disto? Talvez, se eu dedurasse meu primo a cada sessão doméstica de “Gigantes do Ringue”, eu perderia o guarda-costas naquela rua miserável. Havia uma deliciosa diferença entre nós (nós, Bedin. Eles, Galhardi). A gente era Corinthians e eles eram Palmeiras. “Curíntias e Parmera”, como dizia meu tio. Uma vez meu tio ficou sem televisão e viajou cento e vinte quilômetros para assistir, na nossa casa, o clássico. “Ma ocê num me acredita! O jogo num vai sê televisionado para Sam Paulo” – disse. O duro, é que foi um domingo de “Parmera”! 2 x 1 para o Palestra. Isto é que eu chamo de perder “em casa”!
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