6 de agosto de 2014

Postagem 197
BEDIN V.I.P

NEY ANDERSON BEDIN





O banheiro do hotel

Hercílio andava pela rua, atrasado, como sempre, para o trabalho. Era daqueles atrasados crônicos… Trabalho, cinema, teatro, dentista. “Desculpe o atraso..!” – condenava-se. Era uma sexta-feira do onze dum agosto e Hercílio andava pela rua.
Já estava atrasado quando uma vontade irresistível lhe acometeu. Motivo de força maior. Força mesmo!
“Ah! aquela pizza de ontem!” Precisava de um banheiro e estava em cima da ponte do Anhangabaú. Tinha que correr por que a coisa era grave. Como qualquer atrasado crônico, embora já estivesse atrasado, tinha muita pressa. Sem motivo, uma vez que iria chegar, de qualquer modo, atrasado; mas Hercílio ainda pensou – “atrasado e ainda essa!”, como se pudesse, de repente, fazer parte do sistema onde as pessoas normais se atrasavam apenas por motivos de força maior.
Banheiro no Anhangabaú? Ficou nauseado só de pensar. Mas a coisa era realmente grave. Não iria escolher. A questão de sobrevivência social era encontrar um banheiro, qualquer que fosse.
Passou pela ponte. Ganhou a avenida. Passou um bar – “já foi” – pensou. Passou três bares. Um restaurante… Hercílio tinha mania de limpeza. Até nesta hora! Atravessa a rua num olhar e cruza com um hotel. “Hotel Astor”. Uma esperança. Já nos limites das costuras humanas nosso herói atravessa a rua rogando que nenhum carro lhe dê um susto com uma buzinada. Aí seria covardia. E fatal.
Entrou. Pisou um carpete vermelho e fofo. Os mensageiros lhe indicaram a porta do banheiro sem que Hercílio perguntasse nada. Grave; a coisa já era pública. Entra. Atravessa o piso de mármore e corre em direção do reservado. Ainda se presta a um último luxo: – escolheu a segunda porta.
Em frações muito pequenas de segundo Hercílio calcula os botões e zíperes. Se errar a seqüência, justo nesta hora, todo esforço será em vão.
Um ruído impossível de descrever (e de escrever!…) o denuncia e o desculpa ao mesmo tempo. Afinal, é humano.
Nos segundos subseqüentes uma calma oriental invade nosso amigo (já se esqueceu do atraso). Só então observa onde está “instalado”. Não que tenha despercebido a higiene do prédio, isso nunca. Só não havia observado seu luxo e requinte. “Mas espere! Estou atrasado!”
Hercílio levanta-se e corre em direção ao trabalho. Ainda faltam algumas quadras. No caminho vai pensando, bem no fundo, com aqueles pensamentos que só são “pensados” mesmo, que não têm palavras para traduzir, como a vida passa correndo. Com ajuda de uma memória privilegiada, foi lembrando dos detalhes daquele banheiro. As toalhas limpíssimas (e eram de tecido!). A faixa dourada nos azulejos; o tampo acrílico do vaso; o papel macio; os cantinhos do recinto sem um grão de pó ou sujeira; a luz fosforescente aumentando a sensação de limpeza. Tudo isto, no meio daquela cidade imunda. “E, com tanta pressa a gente nem aproveita”, pensou chamando o elevador do prédio de escritórios.
Voltou lá, na segunda-feira.
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