11 de maio de 2014

Postagem 099
BEDIN V.I.P
NELSON BEDIN
FORÇA DAS EVIDÊNCIAS


Pesquisa publicada esta semana revela dados interessantes sobre doenças e agravos não transmissíveis (DANT) em dez anos (1996 a 2007). Houve 17% de redução de óbitos por tais doenças, decréscimo atribuído, em grande parte, à queda do número de fumantes. Chama a atenção, o acréscimo no número de diabéticos. Outra pesquisa recente apontava a preocupante prevalência de obesos no país, fato intimamente associado ao aumento do número de diabéticos.
            Em um programa de televisão, um diretor do Ministério da Saúde apontou que uma preocupação que o país deve ter é a promoção da saúde, uma das formas mais eficazes para enfrentar essa situação. Fez referência aos fatores de risco e sugeriu que a mídia tem um relevante papel na missão de tornar as pessoas mais responsáveis na eliminação desses fatores em suas vidas.
            É louvável que o Ministério da Saúde se posicione francamente a favor de programas de promoção da saúde, mas é preocupante a forma como seu representante se posicionou diante da questão. Promoção da saúde centrada em mudanças de posturas individuais, deslocada do plano coletivo, das políticas públicas, do processo de empoderamento, enfim, não vai conseguir mudar o quadro sanitário brasileiro. Parece uma maneira de culpabilizar o doente e atribuir-lhe, com exclusividade, a responsabilidade por seu estado de saúde. Entre outras coisas, revela um desconhecimento, quiçá proposital, da concepção de determinação social do processo saúde-doença. Expliquemos melhor: uma pessoa não é obesa porque quer, não é obesa porque não teve acesso ao conhecimento, mas sim porque sofre a influência absurda do mercado de alimentos hipercalóricos e hipergordurosos (inclusive com total apoio da mídia), fato esse aliado aos inúmeros motivos que favorecem o sedentarismo (em particular, a organização social que tem privilegiado o computador como instrumento de comunicação). A maior parte de nosso tempo é reservada para o trabalho (sedentário) e para o transporte (sedentário); pequena fração de nosso tempo é reservada para nos alimentarmos de forma apressada e não saudável (fast-food). Não temos a cultura da atividade física rotineira e sofremos forte impacto da indústria automobilística, que anda na contramão de uma vida saudável.
            A promoção da saúde que pode impactar nossa realidade sanitária é muito mais ampla do que essa mencionada na entrevista. É uma promoção da saúde que não prescinde de mudanças estruturais de porte, no plano federal, no que diz respeito a determinadas políticas públicas.
            A primeira tarefa que a presidenta Dilma não pode furtar-se é o combate incessante a qualquer forma de corrupção. Traçando um paralelo com uma doença muito conhecida e um tanto sui generis, a hanseníase (transmissível e crônica), a corrupção é a verdadeira “lepra” da sociedade brasileira. Ela também é transmissível e crônica. Tanto que, para muitos brasileiros, ela ainda é uma doença incurável. Ao contrário da hanseníase, ainda estigmatizada por muitos, a corrupção tem uma aura estranha, um certo encantamento, quase um desejo de emulação. Quem não tem acesso à corrupção, lamenta-se e deseja, ardentemente, que chegue seu dia de locupletar-se. Há até aqueles que encontraram em um personagem quase folclórico, apesar de nefasto, seu ídolo e cunharam-lhe um perverso slogan: “rouba, mas faz”. Tais adoradores (quase 500 mil na última eleição!) não se apercebem de que, com a parcela do roubo, muito mais seria feito para o benefício coletivo. O combate a essa conivência deve ser um propósito firme e perene. Só assim podemos vislumbrar o aporte de recursos para implementar o SUS.
            Não se pode pensar em saúde sem que se resolvam dois outros dramas brasileiros: o déficit de moradia e a deficiência dramática de saneamento básico. É urgente que programas previstos no PAC e no Minha Casa Minha Vida sejam efetivados, sem a tradicional burocracia que tanto emperra tais processos. Em nome da retidão e do bom trato da coisa pública, são tantos os entraves, que o benefício previsto nos processos nunca chegam aos destinatários. Não se pode conviver com a idéia de que é impossível combater a corrupção e, ao mesmo tempo, ser célere. A saúde do povo não tem mais tempo a perder! E tal qual a hanseníase, a corrupção é um mal que tem cura!
            Outro passo fundamental é que se tenha clara a provisoriedade do Bolsa Família. Há de se ter um propósito bem definido de não aumentar o número de beneficiários, mas, ao contrário, de diminuí-lo. É necessário que os cidadãos sejam qualificados para obtenção de renda por seu trabalho e que, assim, tenham condições de prover as necessidades de suas famílias. Não se pode deixar surgir outro folclore, de gosto duvidoso, segundo o qual “com a bolsa família, pra que trabalhar?”.
            A promoção da saúde que defendemos – e que o Ministério da Saúde deve defender e implantar – é a que se baseia no empoderamento dos indivíduos, dos grupos e da comunidade. É um tipo de promoção da saúde que não pode existir sem uma completa descentralização do poder e sem uma grande dose de intersetorialidade. È uma promoção da saúde que não pode conviver com qualquer resquício de analfabetismo (mesmo o analfabetismo funcional), que não pode conviver com nenhum tipo de vulnerabilidade (social, institucional e individual) e que se ocupe, é verdade, do combate aos fatores de risco mutáveis e intermediários e da diminuição dos efeitos dos fatores de risco imutáveis (hereditariedade, idade). É uma promoção da saúde que não culpabiliza o indivíduo por seu estado de saúde, mas procura atingir a raiz dos problemas e mobiliza a sociedade para fazê-lo.
            Vejamos um exemplo para reflexão. Tomemos dois tipos de câncer muito prevalentes entre nós: o de mama e o de colo uterino. Não é fora de propósito associá-los com as formas de organização da sociedade. As estatísticas revelam que a maior incidência de câncer de mama é quase seis vezes maior no sul e no sudeste do que no norte. A vida da mulher típica de cada região justifica os números: menarca precoce, primigestação em idade mais avançada, reduzido número de filhos, quase nenhum tempo para a amamentação, trabalho sedentários, alimentação inadequada são as marcas da mulher do sul e do sudeste. No norte, o oposto. É importante o diagnóstico precoce? Sim, é fundamental para salvar vidas. Mas e a promoção da saúde? Quem vai combater os efeitos nefastos desse tipo de organização social? Isso não se combate com mamografia, é claro. O câncer de colo uterino, por sua vez, tem estreita ligação com a contaminação por HPV. Por que não temos condições de higiene satisfatórias? Por que o uso de preservativo não se difunde de forma generalizada (mesmo sendo uma proteção parcial)? Por que não se vacinam todas as meninas? Por que, enfim, a sociedade opta por gastar mais com o tratamento, bem como opta pelo sofrimento que a doença causa, e não se propõe a corrigir aquilo que está na raiz do problema?
            É chegada a hora de todos os governantes e a própria sociedade que os escolheu mudarem sua ótica. Nada contra continuarmos incentivando a realização de exames de papanicolau e de mamografias para garantir um diagnóstico precoce, mas precisamos partir para uma campanha mais agressiva de informação e conscientização sobre os verdadeiros determinantes dessas duas doenças que tanto assustam as mulheres brasileiras. Conclamamos a todos que se têm engajado na meritosa campanha contra o câncer de mama a que ampliem seu foco para o lado do combate aos determinantes, na mesma medida em que gastam suas energias a favor do diagnóstico precoce. Temos certeza de que, ao final, os gastos serão menores, menor será o sofrimento, e todos lucraremos.
            Assim como está provado que a hanseníase tem cura, acreditamos que a corrupção tem cura, e acreditamos mais firmemente ainda que a promoção da saúde que propomos, sem ser uma panacéia, é um remédio muito mais eficaz para os males da saúde do Brasil. Este é o compromisso que esperamos seja assumido pelo novo ministro da saúde e pela presidenta Dilma.


Um comentário:

  1. Olá, Gostei muito do blog, principalmente porque estou buscando informações sobre minha bisavó Ana Bedin Milani, que foi casada com Primo Milani, e viveram em Vargem Grande do Sul - SP. Grande abraço e parabéns pelo blog.

    ResponderExcluir