21 de fevereiro de 2021

 


Postagem 3.417

HISTORIA 

 
DIA DO IMIGRANTE ITALIANO NO BRASIL



Os Italianos na agricultura brasileira:

o caso do Piauí


Miridan Britto Falci 1


Vivem no Brasil cerca de 25 milhões de descendentes de imigrantes
italianos espalhados principalmente pelos estados do Sul e do Sudeste do
Brasil. São, assim, os ítalo-brasileiros considerados a maior população de
oriundi (descendentes de italianos) fora da Itália.
Trazidos nos finais do século XIX para incremento da agricultura brasi-
leira, num país extremamente deserto, torna-se necessário esclarecer o por-
quê dessa vinda, da sua localização e do caso extremamente desconhecido da
presença de italianos no Piauí.
Toda a Europa de um modo geral estava afundada na miséria no século
XIX. Com a concentração das terras nas mãos de poucos proprietários e com
as altas taxas de impostos sobre a propriedade, o pequeno proprietário se
endividava com empréstimos, e corria para as indústrias nascentes, que não
conseguiam absorver essa massa de trabalhadores, saturando as cidades com
desempregados. Assim, milhões de camponeses, que antes eram pequenos
proprietários rurais, desceram à condição de trabalhadores braçais (braccian-
te) nas grandes propriedades rurais e mesmo aqueles que continuaram na
condição de pequenos proprietários não conseguiam mais tirar seu sustento
da terra. Foi assim que milhões de camponeses europeus tornaram-se imi-
grantes nos países das Américas como Estados Unidos, Canadá e Argentina.
Para compreender a imigração italiana no Brasil, é necessário analisar
os aspectos do país durante o século XIX. A nação brasileira passava então
por um período de fermentação das ideias abolicionistas. Novas leis, como a
Lei do Ventre Livre (1871) e a Lei dos Sexagenários (1885), anunciavam o
fim próximo da escravidão. Enquanto isto, na então província de São Paulo,
as plantações de café prosperavam e necessitavam cada vez mais de mão de
obra em quantidade muito superior à existente.
Além do problema da falta de mão-de-obra, proliferavam no final do
século XIX e início do século XX, as ideias de darwinismo social e eugenia
racial. Na medida em que estas ideias eram aceitas e divulgadas pela comu-
nidade científica nacional, o imaginário social e político brasileiro passou
a considerar que os brasileiros eram incapazes de desenvolver o país por
serem, em sua grande maioria, negros e mestiços. A política de imigração
1 – Pós-doutora em História, (Paris,1995). Professora adjunto do Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais- IFCS – UFRJ e Professora colaboradora aposentada do Programa de Pós-Graduação em
História Comparada, IFCS/UFRJ. Sócia titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Passou então a ser planejada não apenas com o propósito de suprir a mão
de obra necessária ou de colonizar territórios pouco ocupados, mas também
para “branquear” a população brasileira. E nesse argumento, o imigrante ita-
liano era considerado um dos melhores, pois além de ser branco, também era
católico. Sua assimilação seria fácil na sociedade brasileira e ele colaboraria
para o “branqueamento” da população em geral.
A imigração italiana para o Brasil tornou-se significante a partir da dé-
cada de 1870 e transformou-se num fenômeno de massa entre 1887 e 1902.
Entre 1880 e 1924, entraram no Brasil mais de 3,6 milhões de imigran-
tes, dos quais 38% eram italianos. Entre 1880 e 1904, os italianos represen-
taram 57,4% dos imigrantes depois apareciam os portugueses, seguidos dos
espanhóis e dos alemães.
Os agentes de emigração foram os grandes responsáveis pela vinda em
massa de italianos para o Brasil. Em 1892, existiam na Itália 30 agências de
emigração e 5.172 subagentes que perambulavam pelo país persuadindo as
pessoas a irem para o Brasil. Em 1895, o número de agências havia crescido
para 33 e o de agentes para 7.169. Os agentes eram contratados pelas compa-
nhias de imigração e eram conhecidos pela sua falta de honestidade. Passa-
vam pelas aldeias nos dias de feira ou mercado, vendendo uma ideia positiva
do Brasil, dizendo que era o país do ganho assegurado e onde a propriedade
rural estava ao alcance da mão. Os agentes focavam nas famílias miseráveis
e indigentes, às quais prometiam passagem gratuita e a possibilidade de, em
poucos anos, juntarem dinheiro para poder retornar à Itália e ali comprar um
pedaço de terra.
A companhia de imigração La Veloce pagava entre 5 e 25 dólares para o
agente que conseguisse convencer uma família a imigrar para o Brasil.
A imprensa da época comparava os agentes aos traficantes de escravos.
As aldeias eram inundadas com panfletos e cartas falsificadas de emigrante
que já tinham partido. Porém, muitas vezes essas estratégias não eram sufi-
cientes uma vez que, mesmo premidos pela miséria e sendo persuadidos a
imigrarem para um país de “ganho assegurado”, também era necessário que
quem estivesse acenando a possibilidade de emigração fosse uma pessoa que
ocupasse um papel na sociedade para oferecer um mínimo de garantias. Nes-
tes casos, eram os próprios prefeitos e vigários e, sobretudo, os secretários
municipais e os mestres-escolas que estimulavam as pessoas a emigrar.
No Brasil, havia grande disponibilidade de terras e um grande vazio
demográfico, que causava preocupação no governo. Atrair imigrantes euro-
peus para ocupar essas regiões foi uma política que existia desde o início
do século XIX. Entre 1818 e 1824, foram feitas duas tentativas de coloniza-
ção por imigrantes, sendo elas Nova Friburgo, no estado do Rio de Janeiro,
com suíços, e São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, com alemães. Em 1867,
as terras públicas disponíveis à colonização mediam 503.965 hectares e em
1861 existiam 33 colônias habitadas por 33.970 estrangeiros. Quatorze anos
depois, o número de colônias crescera para 89, sendo 66 delas no Sul (de São
Paulo ao Rio Grande do Sul).
A imigração e colonização RGSUL. A Produção da uva e do vinho
O estado do Rio Grande do Sul recebeu a primeira leva de imigrantes ita-
lianos a chegar ao Brasil. Os primeiros imigrantes desembarcaram em 1875,
para substituírem os colonos alemães que, a cada ano, chegavam em menor
quantidade. Os colonos italianos foram atraídos para a região para trabalha-
rem como pequenos agricultores e lhes foram reservadas terras selvagens na
encosta da Serra Gaúcha. O Sul do Brasil, nesse período, exercia um poder
de atração de italianos, pois contava com disponibilidade de terras, atraindo
os que aspiravam se tornar proprietários rurais. Ademais, as notícias de que
o clima no Brasil meridional era suficientemente semelhante ao italiano para
assegurar o cultivo de produtos aos quais estavam acostumados e tinham
conhecimento contribuiu para a corrente migratória italiana ter se concen-
trado quase que exclusivamente nos estados sulinos, nesse primeiro período
de imigração. Inicialmente, 95% dos italianos nos estados sulinos estavam
dedicados à agricultura.
Na região foram criadas as primeiras três colônias italianas: Conde
D’Eu, Dona Isabel e Campo dos Bugres, atualmente as cidades de Garibal-
di, Bento Gonçalves e Caxias do Sul, respectivamente. Com o tempo, os
italianos passaram a subir as serras e a colonizá-las. Com o esgotamento de
terras na região, esses colonos passaram a migrar para várias regiões do Rio
Grande. A base da economia na região italiana do Rio Grande foi e continua
a ser a vinicultura.
No centro do estado foi criada a Quarta Colônia de Imigração Italiana, o
primeiro reduto de italianos fora da Serra Gaúcha e que originou municípios
como Silveira Martins, Ivorá, Nova Palma, Faxinal do Soturno, Dona Fran-
cisca e São João do Polêsine. Nesse último, está a localidade de Vale Vêneto,
nome dado para fazer homenagem a tal região italiana.
Outras colônias italianas foram criadas e deram origens a cidades como
Caxias do Sul, Farroupilha, Bento Gonçalves, Garibaldi, Flores da Cunha,
Antônio Prado, Veranópolis, Nova Prata, Encantado, Nova Bréscia, Coquei-
ro Baixo, Guaporé, Lagoa Vermelha, Soledade, Cruz Alta, Jaguari, Santiago,
São Sepé, Caçapava do Sul e Cachoeira do Sul. Essas são as principais colô-
nias italianas do estado. Estima-se que imigraram para o Rio Grande 100 mil
italianos, entre 1875 e 1910. Em 1900, já viviam no estado 300 mil italianos
e descendentes.
Atualmente, vivem no Rio Grande do Sul três milhões de italianos e
descendentes, representando cerca de 30% da população do estado.
A agricultura do café
Embora tenha sido a região Sul a pioneira na imigração italiana, foi a
Região Sudeste aquela que recebeu a maioria dos imigrantes. Isto se deve ao
processo de expansão das lavouras de café em São Paulo (e, em menor me-
dida, também em Minas Gerais). Com o fim do tráfico negreiro e o sucesso
da colonização italiana no Sul, o Governo Paulista passa a incentivar a imi-
gração italiana com destino aos cafezais. A imigração subsidiada de italianos
começou na década de 1880. Os próprios donos das fazendas de café trata-
vam de atrair imigrantes italianos para as suas propriedades. Os proprietários
de terras pagavam a viagem e o imigrante tinha que se propor a trabalhar nas
fazendas para devolver o valor da passagem paga.
 Eram chamados de colonos. O governo brasileiro preferia atrair famílias in-
teiras para o Brasil. Nas plantações de café, todos trabalhavam: homens, mu-
lheres e até crianças. Os fazendeiros, acostumados a trabalhar com escravos
africanos, passaram a lidar com trabalhadores europeus livres e assalariados.
Todavia, muitos italianos nas fazendas de café foram submetidos a jornadas
de trabalho maçantes como as enfrentadas pelos afro-brasileiros e muitos
eram tratados de maneira semelhante à dos escravos. Essa situação gerou
muitos conflitos entre os imigrantes italianos e os fazendeiros brasileiros,
causando rebeliões e revoltas. As notícias de trabalho semiescravo chegaram
à Itália, e o governo italiano passou a dificultar a imigração para o Brasil. A
Itália assinou o Decreto Prinetti (que na realidade foi uma Portaria) em 26 de
março de 1902. O relatório denunciava as situações vividas pelos imigrantes
nas plantações cafeeiras, com ênfase no período pós-abolição. Essa portaria
proibiu a migração subsidiada de italianos para o Brasil, mas não restringiu a
migração espontânea, ou seja, os italianos que quisessem imigrar para o Bra-
sil teriam que comprar suas próprias passagens, e não depender da passagem
paga pelo governo brasileiro.
O estado de São Paulo possui a maior colônia italiana no Brasil. No
ano de 1900 já viviam no estado 800 mil italianos. São Paulo concentrava a
maior parte das fazendas de café e, por isso, recebeu mais de 70% de todos
os imigrantes italianos que vieram para o Brasil.
Na fase do Brasil republicano, o Nordeste continuou a receber italianos,
que vieram por causa do grande crescimento e da modernização da agroin-
dústria canavieira, do desenvolvimento da indústria têxtil, do crescimento da
cultura do cacau e do lançamento, no mercado externo, de produtos extrati-
vos.
A população de imigrantes italianos no Brasil está, atualmente, em fran-
co decréscimo. A maior parte dos imigrantes são idosos, visto que as últimas
grandes levas de imigrantes chegaram na década de 1950. O número de ita-
lianos residentes no Brasil ultrapassava meio milhão de pessoas em 1920,
caindo para apenas pouco mais de 40 mil em 2000.
Porém, no ano de 2003, segundo a Aire (l’Anagrafe degli italiani resi-
denti all’estero), havia no Brasil 162.225 cidadãos italianos e, segundo os
Anagrafi consolari del Ministero degli Esteri, há 284.136 cidadãos italianos
no País. A maioria destes são cidadãos ítalo-brasileiros, visto que a Itália
garante a cidadania italiana para os descendentes, salvo algumas exceções,
e o Brasil permite a dupla nacionalidade de seus cidadãos. De acordo com
as leis italianas, não há diferença jurídica entre um italiano nascido na Itá-
lia ou no estrangeiro. Em São Paulo estão inscritos no Consulado 154.546
cidadãos italianos, no Rio de Janeiro 38.736, em Porto Alegre 37.278, em
Curitiba 30.987 e em Belo Horizonte 13.769. O Brasil possui, de acordo com
diferentes fontes, a oitava ou a sexta maior população de cidadãos italianos
no mundo.
Quando se toma por base o número de brasileiros descendentes de ita-
lianos, o Brasil possui a maior população italiana fora da Itália. Não se sabe o
número exato, visto que os censos nacionais não questionam a ancestralidade
do povo brasileiro. Todavia, as estimativas oscilam entre 23 a 25 milhões os
brasileiros com algum grau de ascendência italiana, representando cerca de
15% da população brasileira.
Os italianos e descendentes não formam um grupo étnico à parte da po-
pulação brasileira, mas integrante e enraizado dentro da sociedade brasileira.
Seus descendentes figuram nos mais diversos setores da sociedade do País.
Por exemplo, numa pesquisa de 2001, das 10.641 empresas industriais do
Rio Grande do Sul, 42% estavam nas mãos de brasileiros de origem italiana.
Certas localidades do Brasil meridional e do Sudeste têm uma clara maioria
de brasileiros de origem italiana. Tal fato é mais evidente em localidades
rurais do Sul do Brasil, tomando por exemplo municípios como Nova Vene-
za, onde os de origem italiana somam 95% da população local. Mesmo nas
grandes metrópoles a presença da coletividade italiana é enorme: São Paulo
com seus 10 milhões de habitantes, maior cidade do Brasil, possui 60% da
população com ascendência italiana e, Belo Horizonte com 2,5 milhões de
moradores, 30% é descendente.
Os italianos no Piauí
Por que italianos no Piauí?
A presença italiana no Piauí está registrada em duas situações:
1) como imigrantes contratados e trazidos pelo engenheiro Antonio José
Saraiva para trabalharem na Fábrica de Manteiga e Queijo, instalada na região
atual do município de Campos. Os italianos trabalhariam como agricultores
de arroz, algodão, fumo, milho e feijão e/ou como artífices conhecedores da
indústria do leite e queijo;
2) como imigração espontânea, como pequenos comerciantes e proprie-
tários rurais, e que se localizaram na região de Picos.
A história dessa presença italiana demonstra que há ainda insuficiência
de conhecimento sobre esses imigrantes, mas este trabalho tem como ob-
jetivo divulgar essa presença significativa e que hoje marca um espaço na
história do Piauí.
O Contexto: A Província do Piauí
Situada na região conhecida como Meio
-Norte tinha, essa Província, como função eco-
nômica primordial a criação de gado vacum, de
gado cavalar, muar, ovino e caprino. Extensas fa-
zendas de gado existiam naquela Província desde
o tempo dos jesuítas e que, após a expulsão dos
mesmos do Brasil, essas fazendas foram conside-
radas propriedade do governo Real.
Eram trinta e nove fazendas. O patrimônio
possuía, somente em terras, uma extensão apro-
ximada de 1.200.000 hectares de terra, onde exis-
tiam escravos, edificações, cavalos, bestas e mais
de 50.000 cabeças de gado. Devido a sua enorme
extensão, as terras foram divididas, para fins ad-
ministrativos, em três inspeções ou Departamen-
tos, denominados Piauí, Nazareth e Canindé. Cada Departamento possuía 11
fazendas a exceção do Departamento de Canindé composto de 12 fazendas.
Depois da independência do Brasil, 1822, as propriedades passaram para o
patrimônio do Governo Imperial, recebendo a denominação de Fazendas Na-
cionais e depois passaram para patrimônio do governo Estadual. Mas a venda
das terras públicas para particulares, o arrendamento, a posse e invasão de
muitas terras e, finalmente, a constituição de vilarejos, vilas e cidades pelo
governo estadual diminuiu significativamente essas extensões de terras, em-
bora ainda existentes.
Ao lado da pecuária, nas fazendas de gado, existia ainda a plantação de
algodão, fumo, arroz, milho e feijão. Durante a guerra da Secessão nos Es-
tados Unidos (1861-1865) incrementou-se em muito a produção do algodão
nas terras do Piauí, produção que foi exportada com grande vantagem para
os cofres provinciais, para a Inglaterra.
Mas o gado, a produção de couro cru, do atanado, da camurça, do sebo,
da carne de sol, do leite, do queijo e derivados foram o sustentáculo da Ca-
pitania (entre 1758 e 1822 e da Provincia, entre 1822 e 1889) e se encontra,
ainda hoje no segundo lugar da sua produção econômica, só suplantada pela
produção de soja.
As Fazendas Nacionais, o engenheiro Sampaio e os italianos que
chegam
É nessas Fazendas Nacionais que vamos encontrar imigrantes italianos,
trazidos não só para a lavoura mas para trabalharem na Grande Fábrica de
manteiga, queijo e derivados instalada em área das mesmas.
Convém citarmos que o conhecimento do Piauí na Itália já se dava há
alguns anos pois em 1826, por ocasião do casamento da princesa Januária
Maria, irmã do imperador Pedro II com o príncipe Luis Carlos, conde de
Áquila e filho de Fernando II, rei das Duas Sicílias, as fazendas pertencentes
ao Departamento de Canindé foram incluídas, por contrato matrimonial, no
dote da princesa. Pelas cláusulas do contrato, a administração das fazendas
ficaria a cargo do marido da princesa. O contrato também estabelecia que o
patrimônio seria novamente revertido ao Estado caso a princesa e seu marido
não tivessem herdeiros ou se ainda o casal decidisse morar fora do Brasil.
Como o casal resolveu morar na Europa, as fazendas do Departamento de
Canindé voltaram a constituir patrimônio do Governo Imperial no Piauí.
Segundo Graziani Gerbasi Fonseca in Os Italianos de Picos (EDUFPi,
2004), afora sacerdotes e missionários católicos , a presença discreta de italia-
nos nos sertões do Piauí se fazia notar desde a metade do século XIX quando
alguns aventureiros empreendiam ora a venda de escravos, ora a prestação de
serviços nas fazendas como ferreiros, flandeiros, construtores, marceneiros e
outras artes e ora passavam para comprar ouro e pedras preciosas em minas
que, de vez em quando, afloravam em alguns leitos secos de rios (como em
Cariús e Lavras de Mangabeiras no Ceará) com a finalidade de abastecer
as tradicionais e seculares ourivesarias napolitanas (GERBASI, p.53), mas
a partir do último quartel do século XIX (de 1870 a 1905) a emigração se
reveste de uma conotação social diversa e de forma duradoura.
Os italianos que chegaram ao Piauí, contratados como imigrantes para
trabalharem nas Fazendas Nacionais, compunham 40 famílias ou cerca de
500 pessoas italianas.
Dr. Sampaio: A figura enigmática desse engenheiro químico
Dr. Antônio José de Sampaio, Idealizador e fundador da Fábrica de Manteiga e Queijo.
Antonio José Sampaio nascera em Livramento, no Piauí, em 9 de abril
de 1857 vindo a falecer no Rio de Janeiro, com 49 anos de idade na cidade do
Rio de Janeiro. Alguns biógrafos apresentam o sobrenome de Castelo Branco
ao nome Sampaio.
Formou-se em Química (1892) pela Escola Politécnica Federal da Suí-
ça, concluiu o curso de Letras pela Universidade de Westerthur e doutorou-se
em Ciências Físicas e Naturais pela Universidade de Zurique.
Atuou como professor substituto na Escola Politécnica do Rio de Janei-
ro nas disciplinas de Física e Química Industrial e, muito rico, apresentou-se
a D. Pedro II, conseguindo dele o apoio para a implantação de produção de
laticínios das fazendas do Piauí.
Realizou um acordo com o Governo Central que estabelecia:
“Fundar nas ditas fazendas um ou mais núcleos coloniais formados de nacio-
nais e estrangeiros, sendo metade, pelo menos de estrangeiros, mantendo, à
sua custa, o estabelecimento rural de S.Pedro de Alcântara, com o fim de aco-
lher libertos menores e dar-lhes instruções primária, artística, industrial e zoo-
técnica, estabelecimento que estava sob o encargo do governo até então”;
• “criar e manter a sua custa uma estação meteorológica”;
• “desenvolver em grande escala a criação de gado lanígero e introduzir
nas ditas fazendas tipos especiais das melhores raças de gado vacum,
lanígero, cavalar e muar”;
• “mandar vir da Europa, às suas custas, pessoal habilitado para o preparo
dos laticínios”;
• “desenvolver a lavoura de cereais e com especialidade a plantação de
cacau (COSTA, 1974, p. 566)”
Em contrapartida o Governo Central deveria:
• “vender as ditas fazendas ao arrendatário, no fim do seu contrato, ou
mesmo antes, contanto que tenha cumprido as suas condições, pela
quantia de 400:000$ réis”;
• “fornecer ao arrendatário 500 famílias de imigrantes”;
• “entregar as fazendas e proceder à contagem do gado e organizar os
respectivos inventários”.
Dr. Sampaio foi pessoalmente à Itália e trouxe, às suas custas, os imi-
grantes. Fez-lhes moradias, trouxe maquinarias caríssimas da Alemanha,
construiu um enorme fábrica, hoje em estado lastimável à espera de tomba-
mento, no município de Campos.
Em 26 de janeiro de 1895 foram recebidas
as famílias italianas no Núcleo Colonial de Pi-
tombeiras, criado próximo ao povoado de Colô-
nia ( hoje cidade de Floriano).
Mas aconteceu um fato inesperado:
Caldeira de resfriamento do leite.
Manufatura do queijo e da manteiga.
“Quando 15 imigrantes se deslocavam para o Núcleo, deu-se uma rebelião.
Os colonos, liderados por Costa Carlo, recusaram-se a ficar ali e pediram para
voltar à Itália. Entre eles havia dois cabeças quentes, os irmãos Forti, que
ameaçaram fazer violência ao dr. Sampaio. Os italianos estavam armados e o
destacamento local era de apenas 3 praças. Sentindo-se insegura, a população
de Colonia apelou ao governo.” ( CHAVES, 1994, p. 146)
Este acontecimento constrangedor foi acompanhado de perto pelo re-
presentante do Governo italiano, José Reminolli, que desmentiu os motivos
de insalubridade climática e de cultura alimentar bem como eximiu de qual-
quer culpa a figura do dr. Sampaio.
Eis o teor do texto do italiano Reminolli:
“em relatório já comuniquei oficialmente ao meu governo que o Dr. Sampaio
cumpriu de modo satisfatório todas as vantagens oferecidas aos imigrantes
mediante contrato celebrado com o meu governo. Forneceu lotes em exce-
lente localidade, onde passei um mês com os imigrantes, casas construídas,
alimentação boa e suficiente, animais de trabalho, instrumentos de lavoura,
sementes, etc.[...] A retirada de grande parte das famílias não dependeu ab-
solutamente do dr.Sampaio....Essas famílias partiram, porque à última hora
foram trocadas por muitas existentes em Gênova e compostas de indivíduos
inaptos para o trabalho de lavoura, tendo muitos passaportes para São Paulo.
Oito famílias compostas de 54 pessoas já receberam seus títulos provisórios
de propriedade e têm suas lavouras em estado satisfatório. Para prosperidade
dessa colônia parece conveniente a retirada de quatro famílias que não se
prestam para trabalhos de lavoura...O chefe de uma delas sofre de alienação
mental e outros não se acham dentro das condições do contrato...As que aqui
ficaram já escreveram convidando os parentes para virem, formando assim
um núcleo laborioso. Desejo ver embarcada essa gente incapaz afim de rela-
tar ao meu governo. Estas famílias têm o direito a repatriação até 26 de junho.
Minha conclusões oficiais acerca da imigração para o Piauí e desempenho
da comissão do Dr. Sampaio são inteiramente favoráveis.” ( Ministério da
Industria, Viação e Obras Públicas. 1896)
Pouco tempo depois, o Governo Central anula o contrato com dr. Sam-
paio.
Poucas informações dispomos sobre a rescisão do contrato mas percebe
-se manobras de grupos políticos do Piauí contra a atuação do dr. Sampaio.
O fato é que ele vem para o Rio de Janeiro e edita o a sua defesa: SAM-
PAIO, A.J. Injusta rescisão do Contrato de Arrendamento, Rio:
1892.
Mostra tudo o que fez, o gasto que realizou, os problemas que teve.
Pouco depois edita, em inglês
“A General Description of the State of Piauhy on the northern part of Brazil
its natural resources, pasturagem, climate and salubrity with special refer-
ence of the Argentine Republic and Australia, 1905.”
Um ano depois, amargurado, morre, no Rio com 49 anos de idade.
O seu livro ficou sem edição portuguesa até que o jornalista Oriswaldo
Bugyja Britto, 1948, protesta na imprensa contra o descaso do governo em
publicar a tradução. Em 1952, pela lei 582, é autorizada a tradução do livro
e sua edição.
A historiadora Odeth Rocha compara o feito de Sampaio ao de Delmiro
Gouveia, que também sofreu duras perseguições de políticos.
Família do dr. Sampaio.
Os Italianos de Picos
A história da imigração italiana para o Piauí poderia terminar resumida
à difícil obrigação contratual do dr. Sampaio. No entanto outros italianos
chegam ao Piauí entre 1870 e 1905 e se estabeleceram na região da cidade de
Picos, relativamente próxima às fazendas onde existiu a Fábrica Manteiga e
Queijo de Sampaio.
Existe ainda em Picos enorme descendência desses primeiros italianos.
Na cidade há ainda a memória da “rua dos italianos”, do seu cotidiano e das
suas atividades .
Foram comerciantes, fazendeiros, criadores de gado, mercadores.
A documentação e as pesquisas realizadas por um ítalo-brasileiro,
GRAZIANI GERBASI, EDUFPI, 2004, revelam a presença desses italianos
e suas atividades naquela região.
Não há qualquer documentação que mostre uma identificação entre os
imigrantes das Fazendas Nacionais e os italianos que chegaram a Picos. Essa
imigração está assinalada como espontânea, não controlada por contratos
nem para explorar especificamente a agricultura.
A pesquisa sobre esses italianos aponta os nomes: Stopelli, Linard,
Petroli, Paracampo, Lanziano, Petrola, Biscardi, Reinaldo,Marsilia, Cor-
tese, Magaldi, Sapienza, Fasanaro, Gerbasi, Fiorito e Prota. São cerca de
30 casais e vários elementos solteiros que se radicaram, principalmente em
Picos, mas estenderam-se por Jaicós, Teresina e Campo Maior e seus filhos
por cidades e vilarejos do interior do Ceará.
Pasquali Stopelli, italiano de Lauria, PZ, nasci-
do em 1850, chega em Picos em 1870 com os irmãos
Paracampo e o casal formado por Estevam Linard e
Vincenza Petroli. Ele constitui o primeiro exemplo
de um imigrante bem-sucedido. Estabelece relações
com fazendeiros e políticos locais e se transforma
em representante comercial, intermediário e caixei-
ro viajante grossista. Prospera, viaja para a Itália em
1885, intermeia a emigração de outros parentes ita-
lianos de Lauria e de Policastro. No Piauí tem uma
companheira e uma filha natural, depois reconheci-
da por ele e para quem ele contrata casamento com
outro italiano. Mas próspero, rico, com 54 anos, vai
a Itália e se casa com Angelina Crispino, de destaca-
da família de Maratea que não vem para o Brasil, continua na casa dos pais.
Pasquale vai e volta à Itália. Deixa trâs filhos lá e uma filha no Brasil. Seu
nome é lembrado em Picos como tio Pasquale, alegre, possuidor de várias
glebas de terra e armazéns.
Casal Estevam Linard e Vincenza Petroli e o
filhinho de 4 anos acompanhados de 2 irmãos sol-
teiros de Vincenza Petroli chegam com Stopelli.
Naturais de Villamare – AS, sendo desconhecidas
as datas de seus nascimentos. Camponeses meridio-
nais a enfrentar adversas condições de vida, teriam
emigrado para o Brasil atraídos por mirabolantes
notícias sobre a disponibilidade de terras férteis,
pois queriam continuar camponeses embora Este-
vam Linard fosse artesão conhecedor da fabricação
de tachos de cobre.
O grupo encontrou terra para cultivar mas teve dificuldade de se adaptar
às peculiaridades da lavoura tropical. Estevam então iniciou a fabricação dos
tachos, caldeiras e instrumentos agrícolas de ferro e cobre junto aos engenhos
de rapadura que existiam nos baixios e brejos cultivados com cana-de-açúcar
na freguesia de Picos. Anos depois a documentação assinala a presença do
Estevam Serafino Linard
Pasquali Stopelli
casal em cidade do Ceará, onde instalam oficina e formam uma clientela.
Conseguem relativa prosperidade. Compram terras, plantam cana, fazem
moenda, plantam arroz. Deixam 14 filhos e mais de 70 netos. Um descen-
dente desse primeiro casal, Antonio Linard, instala, em 1950, em Missão
Velha, no Ceará a metalurgia “Engenhos Linard” com produção de moendas
e engrenagens de ferro fundido, com motor a Diesel ou energia elétrica que
se espalhou pelo sertão, substituindo o antigo engenho de madeira com tra-
ção a animal.
O irmão de Vincenza Petroli (Nicola) também
é outro italiano bem-sucedido no Piauí. A documen-
tação assinala-o com loja de tecidos e aviamentos
finos, louça, vidros, cristais, perfumes, novidades.
Casa-se com brasileira e estende seus haveres por
outras regiões, seja no sertão do Cariri, na cidade de
Santana ou outras cidades do Ceará.
Casal Antonio Petrola e Guilhermina do Amor
Divino. Chegaram por volta de 1895 tendo aporta-
do em Fortaleza e de lá seguiram para Picos. Eram
naturais de Vibonate – SA. De origem camponesa
estariam dispostos a trabalhar na agricultura, mas
desanimaram ao constatar que as atividades agríco-
las se faziam em moldes completamente diferentes
e que o mercado consumidor era pequeno. Resolve-
ram então assumir as etapas mais complicadas do processo de circulação de
mercadorias, empreendendo o transporte até o ponto mais próximo rico onde
tentavam a venda a grosso ou a exportação. Percorriam fazendas e povoados,
arrecadavam excedentes comercializáveis, juntavam em tropas de animais
carregados e iam vender em Fortaleza. Do obtido compravam mercadorias
manufaturadas junto a importadores e atacadistas. Retornavam vendendo ao
longo do caminho até Picos. Prosperando abriam loja em Picos ou cidades
próximas.
E essa foi a saga dos italianos da região de Picos no Piauí – comprando
a partir de Picos, peles de animais silvestres, couros de boi, chifres, sacas de
arroz, de milho, mel, rapadura, rendas, redes, ou a partir de Fortaleza, ma-
nufaturados e tecidos finos, e vendendo ao longo do caminho nas fazendas e
povoados.
Segundo Gerbasi (2004) os italianos perseguiram um sonho determina-
do: (p 78)casaram-se, tiveram ao mesmo tempo outras companheiras, muitos
filhos legítimos e ilegítimos, deram amparo a todos, enviaram com regulari-
Antonio Petrola
dade dinheiro para os parentes italianos, integraram-se com os descendentes
nas comunidades onde viveram , retornaram à Itália quando necessário e
construíram sólidos patrimônios.
Conclusão
A análise e estudo desses 30 casais de italianos e o desenrolar de suas
vidas nos remetem à percepção das questões da imigração: a formação de
uma teia de laços familiares com ajudas mútuas, as solidariedades entre tios,
sobrinhos e afilhados e a organização de um espaço territorial, rua dos ita-
lianos, igreja dos italianos, loja dos italianos que sedimentou e possibilitou
a sua existência.
E é isso que o estudo da imigração italiana no Brasil nos apresenta:
integração, justaposição, formação de uma nova identidade – os ítalos-bra-
sileiros.
Tradução:Google
 

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