3 de julho de 2014

Postagem 163

BEDIN V.I.P

SUSAN BEDIN


Os Embaixadores sussurram segredos na tela de uma pintura

     A transição da Idade Média para a Modernidade é marcada pelo renascer da cultura greco-romana. O período do Renascimento Cultural teve suas origens em algumas cidades italianas e revelou Boccaccio, Dante Alighieri e Petrarca.  A luz rompeu as trevas também na Espanha no relato do cavaleiro enfadado sob o olhar de Miguel de Cervantes; na França com Rabelais e suas lendas populares, farsas, romances e gigantes em Gargantua e a Inglaterra de Shakespeare mostrou os mais íntimos sentimentos humanos. Não poderíamos deixar de lado Camões e as grandes aventuras marítimas.
     É nesse contexto que se destaca Hans Holbein, o Jovem. Nascido em Augsburgo, viveu um período de contestações. A Igreja Católica lutava contra os hereges e o Sacro Império Romano Germânico não estaria imune. Ali a Igreja encontraria um devoto, membro da própria instituição que romperia com dogmas considerados inquestionáveis. Lutero enfrentaria o mais alto escalão do clero para insurgir a Reforma.
     Holbein deixa a cidade das 95 Teses e instala-se na Suíça, palco para mais um golpe nas tradições medievais. Calvino lançaria um punhal no coração da instituição mais poderosa do período. 
     Em viagem para a Itália, o berço do Renascimento, Holbein encontra-se com o gênio. Imaginem quão rico cenário se configura.  A oficina, com quatro ou cinco artesãos, pintores, escultores, todos ávidos para se embebedar das técnicas e percepções de Leonardo da Vinci. Aprendizes vorazes, buscavam as melhores pinceladas, o tom mais vívido, o contraste determinante e o brilho sutil de uma mecha de cabelo soprada pelo vento ou de uma nesga de tecido a cair pelo colo de uma donzela; a pedra perfeita para ser esculpida em  músculos de um Davi  ou o profundo pesar de uma Pietà.
     Holbein aprendera com os melhores, o código fora revelado. Tornou-se um retratista e assim como os grandes, também receberia encomendas de mecenas a fim de investir quantias significativas para se exibirem na vitrine.
      A corte inglesa soube reconhecer seus dons e o mestre foi convidado a mostrar a face de Henrique VIII, sem comprometer a reputação do rei casamenteiro. A sorte não foi gentil com o amigo Thomas More que se tornou prisioneiro na Torre de Londres e depois foi decapitado.
   Dez anos antes de sua morte, Holbein pinta Os Embaixadores. Seria mais uma obra renascentista, um retrato da corte, com pormenores da mais alta hierarquia a não ser pelo enigma pictórico que a tela traz.
      Nesse mundo nebuloso, entre a cruz e a espada, a fé e a razão, o geocentrismo e o heliocentrismo, o latim e o dialeto popular, o sagrado e o profano, surge o “segundo olho”,     aquele que vê a corte na tela mas que enxerga de forma critica a caveira, a desmantelar as certezas de um sistema consolidado.
      Num jogo de enigmas o código outrora decifrado, volta a polemizar. A Utopia e a Loucura estão ali presentes, assim como as rupturas que causaram profundas veias  na terra e que dificilmente seriam unidas novamente e, de fato, a igreja Católica não seria a mesma após a Reforma Protestante.
      Muito tempo se passou e o quadro ainda esta ali, a sussurrar seus segredos. A Modernidade foi rompida pela revolução vermelha, branca e azul e as incertezas levaram Estados burgueses às Grandes Guerras.

      A contemporaneidade foi tomada por  cibers. Não há mais espaços definidos, bem como culturas e poderes. Vivemos na aldeia global, na era da pós modernidade e ainda assim , a caveira que se apresentou a Holbein ainda nos assombra.

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